A economia real vai bem, mas não conta toda a história
A economia global parece, à primeira vista, confortável. O comércio mundial segue avançando, as cadeias logísticas funcionam, e mesmo países que desaceleram mantêm atividade suficiente para evitar alertas imediatos. Mas, por trás dessa aparência de normalidade, cresce um fenômeno conhecido dos economistas: a desconexão entre o mundo real e o mundo financeiro.
A euforia tecnológica cria um mundo paralelo nas bolsas
Enquanto a economia física anda em marcha moderada, os mercados de capitais vivem uma espécie de euforia tecnológica permanente. Gigantes de inteligência artificial acumulam avaliações bilionárias, às vezes trilionárias, impulsionadas por expectativas grandiosas do que poderão entregar no futuro. Empresas como a Nvidia se tornaram símbolos de um mercado alimentado não apenas por resultados, mas por fantasias de um amanhã perfeito, infladas por liquidez abundante e fluxos financeiros criados quase que “do nada”.
A ciclotimia humana: euforia hoje, depressão amanhã
Essa dinâmica não é nova. A humanidade vive ciclos emocionais: ora euforia, ora depressão. Somos ciclotímicos por natureza. E isso se reflete nos mercados: quando acreditamos que o futuro será brilhante, inflamos preços; quando algo dá errado, fugimos em massa, estourando bolhas e destruindo valor em questão de dias.
Tudo isso ocorre em um mundo politicamente instável
O problema é que essa ciclotimia ocorre num momento de instabilidade geopolítica profunda. O mundo está, literalmente, sentado sobre um paiol de pólvora. Os Estados Unidos, sob Donald Trump, emitem sinais contraditórios sobre política externa, comércio, segurança e relação com aliados. A China ampliou sua estratégia tecnológica, com capacidade de produzir chips e IA a custos menores, e disputa, palmo a palmo, a liderança de um setor que hoje define o humor das bolsas.
Uma faísca política pode virar um terremoto financeiro
Some-se a isso tensões militares espalhadas pelo planeta, dívidas globais recordes, governos pressionados por déficits, organismos multilaterais enfraquecidos e incertezas climáticas que afetam economias inteiras.
O risco é claro:
Uma faísca geopolítica pode ricochetear diretamente nos mercados — e a queda das bolsas seria o primeiro terremoto a sacudir o sistema financeiro global.
O descolamento entre expectativa e realidade sempre cobra seu preço
A história mostra: quando as expectativas crescem mais rápido que a economia real, a correção costuma ser dolorosa. E tudo indica que estamos novamente nesse ponto de tensão.
O mundo continua comercializando, produzindo e inovando. Mas a economia real caminha em terreno firme, enquanto o mercado financeiro corre em uma pista de gelo fino, acelerando cada vez mais, embalado por uma confiança que pode evaporar ao menor choque.
Não é pânico, é prudência
O alerta não é para pânico.
É para prudência.
Países, empresas e investidores precisam encarar que ciclos de euforia alimentados por excesso de liquidez e promessas tecnológicas quase sempre terminam da mesma forma: com ajustes bruscos, perda de riqueza e impactos profundos sobre economias reais — especialmente setores exportadores e produtivos, como o agronegócio brasileiro.
A pergunta que o mundo evita fazer: o mundo está preparado para uma correção?
A resposta, infelizmente, parece tão instável quanto o cenário global.
Mas uma coisa é certa: quando a euforia encontra obstáculos reais , o sistema financeiro sempre é o primeiro a tremer.
*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
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