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A reforma tributária começou a sair do papel e, junto com ela, nasce uma das mudanças mais profundas na forma como o Estado enxerga, e tributa, o patrimônio dos brasileiros: o Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB), apelidado de “CPF dos imóveis”.

A proposta é simples na teoria e gigantesca na prática: unificar, em uma única base nacional, informações de todos os imóveis do país, urbanos e rurais, públicos e privados. A meta inicial é alcançar cerca de 100 milhões de unidades cadastradas.

Trata-se de um movimento sem precedentes. Hoje, os dados de imóveis estão espalhados em dezenas de sistemas: cartórios, prefeituras, Incra, Receita Federal, SPU e órgãos ambientais. Cada um com suas regras, formatos, lacunas e inconsistências. A reforma tributária decidiu virar essa chave: o CIB será o “ponto único da verdade”, capaz de dizer onde fica o imóvel, quem é o dono, qual é o valor de referência e como ele se relaciona com o novo modelo de tributação.

Por que isso está sendo feito agora?

Com a criação do IVA dual (IBS e CBS), o Brasil adotará regras novas para operações imobiliárias, compra, venda, locação, incorporação, reformas e até demolições. Para que tudo funcione com segurança jurídica, o governo precisa de um cadastro limpo, padronizado e nacional. Daí a criação do CIB, operado pela Receita Federal dentro do Sinter, o Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais.

O cadastro reunirá informações vindas de três grandes fontes:

  • Cadastros municipais de IPTU (imóveis urbanos);
  • CNIR – Cadastro Nacional de Imóveis Rurais, do Incra;
  • Cartórios de Registro de Imóveis, responsáveis pela matrícula e pela titularidade.

A integração será feita automaticamente, sem que o proprietário tenha de fazer um novo cadastro. Porém, na prática, quem tem imóvel vai sentir os efeitos quando a reforma tributária começar a operar completamente a partir de 2027.

O que muda para o contribuinte?

A primeira mudança é a unificação de informações: cada imóvel ganhará um código nacional único. Isso permitirá:

  • rastrear operações com mais precisão;
  • calcular o valor de referência atualizado;
  • controlar o uso de redutores de alíquota na venda de imóveis;
  • cruzar dados entre prefeituras, cartórios, Estado e União.

Ao mesmo tempo, o CIB dará ao Estado um nível de clareza territorial que nunca existiu. Em vez de dezenas de cadastros fragmentados, passará a existir um mapa único, integrado e georreferenciado.

E os temores?

A promessa oficial é de simplificação e justiça fiscal. Mas, entre especialistas, prefeituras, setor imobiliário e produtores rurais, há uma preocupação evidente: um cadastro nacional tão completo pode abrir caminho para aumento de impostos patrimoniais.

Em cidades, isso significa risco de revisão de IPTU. No campo, reacende o debate sobre atualização de parâmetros do ITR, cruzamento com produtividade, CAR e dados ambientais. Em outras palavras: tudo o que for mapeado com precisão pode virar argumento para governo e municípios elevarem arrecadação.

Há também críticas sobre a centralização excessiva das informações nas mãos da União. Para alguns analistas, o CIB oferece segurança jurídica; para outros, cria um “supercadastro” que amplia o poder fiscalizatório do governo.

Impacto para o agro

No caso rural, a mudança é particularmente sensível. O CNIR já reúne informações sobre área, georreferenciamento, confrontações e titularidade. Mas no CIB esses dados serão fundidos com registros cartoriais e informações de operações econômicas, criando uma visão muito mais completa do imóvel rural — seu valor, seu uso e sua capacidade produtiva.

Isso pode ter efeitos positivos, como:

  • maior facilidade de usar a terra como garantia;
  • redução de incerteza em financiamentos;
  • expansão de seguros rurais com risco mensurável.

Mas também pode significar:

  • maior exposição a cobranças tributárias;
  • fiscalização automatizada de inconsistências;
  • exigências mais rígidas em questões ambientais e produtivas.

Um “Google Maps fiscal” do Brasil

Em termos práticos, o CIB transforma o Estado em um observador privilegiado do território brasileiro. Um grande “Google Maps fiscal” que integra informações tributárias, fundiárias e territoriais, com potencial para facilitar transações, reduzir fraudes, aumentar a transparência, e, ao mesmo tempo, oferecer munição para futuras revisões tributárias.

Essa é a ambiguidade central do novo cadastro: ele é ao mesmo tempo uma promessa de modernização e um instrumento de poder. Como será usado depende do governo, das prefeituras e da capacidade da sociedade de acompanhar a implementação com espírito crítico.

O “CPF dos imóveis” é uma das peças mais ousadas, e menos compreendidas, na reforma tributária. Seu sucesso dependerá de dois fatores:

  1. integrar com precisão milhões de registros, hoje incompletos ou contraditórios;
  2. garantir que a busca por eficiência não vire plataforma para aumento de impostos indiscriminados.

O Brasil nunca teve um mapa fiscal tão completo. Agora terá. A pergunta que fica: quem vai ganhar mais com isso, o contribuinte, ou o Estado?

Miguel Daoud

*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural


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