A decisão da Comissão Europeia de recolher lotes de carne bovina brasileira por “risco sanitário” reacendeu um debate que o agro conhece bem: até que ponto essa reação é técnica, e quando vira instrumento político?
O fato é que não é a primeira vez que episódios pontuais ganham proporção exagerada no noticiário europeu. E, curiosamente, eles sempre surgem nos momentos mais sensíveis das negociações entre Mercosul e União Europeia. Agora, novamente, o alerta sanitário aparece quando o acordo comercial volta ao radar, com pressões de países agrícolas como França, Irlanda, Polônia e Áustria.
A Europa sabe que o agronegócio brasileiro é competitivo, eficiente e ocupa espaço crescente no mercado internacional. E justamente por isso o setor é o ponto mais sensível para Bruxelas. Cada contaminação isolada vira manchete; cada detalhe vira argumento político; cada alerta vira munição contra a abertura comercial.
Isso não significa ignorar protocolos de segurança alimentar, que devem ser rígidos. Mas é preciso reconhecer que existe, sim, um componente estratégico. Ao amplificar um caso específico, a UE reforça a narrativa de que precisa de “salvaguardas” e “mecanismos de controle” mais duros, empurrando o acordo para revisões, travas e protelações.
O risco é transformar incidentes pontuais em barreiras sanitárias disfarçadas de proteção ao consumidor, repetindo um padrão antigo: quando o Brasil avança comercialmente, surgem ruídos sanitários.
Recado para o agro brasileiro: não basta produzir bem, é preciso se antecipar politicamente. E o governo brasileiro, junto ao Mercosul, terá de responder com firmeza técnica e diplomática para evitar que mais um episódio específico vire justificativa para congelar um acordo que já se arrasta há décadas.
*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
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