A lignina Kraft, um dos principais subprodutos do processo de produção de celulose, já foi vista por décadas como um resíduo difícil de aproveitar. Descoberta no século XIX a partir do cozimento químico da madeira, a lignina apresenta características que a tornam um recurso estratégico. Dentre estas características estão a estabilidade química, resistência térmica, propriedades antioxidantes, capacidade de absorver luz UV, ação antibacteriana e antifúngica, além de ser biodegradável e substituir com eficiência insumos derivados do petróleo.

Ainda assim, a implementação do composto em escala industrial enfrenta desafios frente à complexidade e custos financeiros e ambientais associados ao processamento. Segundo o Inmetro, a menos de 2% da lignina produzida globalmente é aproveitada, a maior parte é descartada ou queimada para geração de energia.

É justamente diante desse cenário que pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanotecnologia para Agricultura Sustentável (INCT NanoAgro) avançam com uma proposta de transformar lignina Kraft em ferramenta de combate a plantas daninhas. A equipe desenvolveu um método de fracionamento técnico da biomassa vegetal capaz de gerar nanomateriais a partir de suas diferentes frações químicas.

Esses nanomateriais atuam como carreadores de moléculas herbicidas, direcionando o produto com maior precisão para dentro das plantas sem a necessidade de aplicação excessiva. O processo já foi patenteado sob coordenação do professor Dr. Leonardo Fraceto, da Unesp Sorocaba, e representa um passo significativo para tornar a agricultura mais eficiente e ambientalmente responsável.

A tecnologia desenvolvida pelo INCT NanoAgro também se destaca por contribuir para a economia circular, pois valoriza um resíduo abundante e que é majoritariamente descartado. Em vez de ser descartada sem aproveitamento, como acontece com mais de 98% da lignina residual no mundo, as frações obtidas pelo novo processo desempenham um papel ativo no ciclo produtivo, retornando à cadeia industrial com alto valor agregado. Essa mudança de lógica favorece a redução de impactos ambientais e a criação de novos modelos de negócio, conectando indústria papeleira, setor químico e agronegócio.

Do ponto de vista ambiental, o uso de biomassa vegetal como base para nanomateriais herbicidas diminui a dependência de insumos derivados de petróleo, representando avanço significativo diante das pressões globais por descarbonização. A lignina Kraft possui características intrínsecas que ampliam a segurança de uso e minimizam riscos associados à contaminação de solo e água. Além disso, o nanomaterial permite que o herbicida seja transportado de forma mais direcionada, reduzindo perdas por deriva. Assim é diminuída a dispersão no ambiente, potencialmente reduzindo a dosagem necessária.

A inovação também dialoga com práticas agrícolas inteligentes e com o desafio crescente de controlar plantas daninhas de forma eficiente, sem aumentar a pressão sobre ecossistemas naturais. Ao permitir maior eficiência no direcionamento de moléculas herbicidas, a tecnologia ajuda a reduzir a aplicação excessiva diminuindo a contaminação por resíduos químicos em áreas produtivas. Em um cenário de intensificação agrícola, esse avanço tem impacto direto sobre a sustentabilidade de sistemas de cultivo e a longevidade do solo como recurso essencial.

Outro ponto relevante é o potencial de escalabilidade e adaptação da tecnologia. Por se basear em uma biomassa amplamente disponível, especialmente em países como o Brasil, onde o setor de celulose tem papel de destaque a solução tem forte aderência a cadeias produtivas nacionais. A convergência entre pesquisa científica e aproveitamento de resíduos cria condições para que o país se torne referência no desenvolvimento de insumos agrícolas seguros e sustentáveis.

Com isso, a proposta do INCT NanoAgro demonstra que inovação, ciência e sustentabilidade caminham juntas. Ao transformar um resíduo complexo em uma ferramenta tecnológica de alto desempenho, os pesquisadores reforçam a capacidade da ciência brasileira de propor soluções eficientes para desafios ambientais e agronômicos. “Nosso papel como INCT é comunicar à sociedade como essas pesquisas estão gerando resultados concretos e dialogar com quem pode transformar essas descobertas em produtos, especialmente as empresas do agronegócio”, conclui o professor Dr. Leonardo Fraceto.

*Sob supervisão de Luis Roberto Toledo



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