Você já reparou que, às vezes, o feijão que você compra sempre, da mesma marca, preparado do mesmo jeitinho, com o mesmo tempero, acaba ficando com um sabor diferente? E aí vem aquela dúvida: “Será que errei a mão no sal?”, “Será que deixei tempo demais no fogo?” ou até “Será que a marca mudou alguma coisa?”. Pois é, na maioria das vezes, nada disso aconteceu. O que muda é o próprio feijão.
Dentro de cada tipo, carioca, preto, jalo, rajado, existem várias “famílias”, chamadas cultivares. É como se fossem primos, todos parecidos na aparência, mas cada um com um jeito e um sabor próprio. Alguns são mais adocicados, outros mais intensos. Tem cultivar que cozinha rápido, outra que demora mais. Tem o feijão que deixa o caldo clarinho e leve, e aquele que faz um caldo grosso e encorpado. E, quando a indústria compra feijão de diferentes produtores para atender a demanda, pode acabar misturando cultivares distintas. Assim, mesmo sendo todos “cariocas” ou todos “pretos”, cada lote conta uma história diferente no sabor.
E não é só a genética que faz isso acontecer. O lugar onde o feijão nasce também deixa sua marca. Quem planta, sabe: solo, clima, altitude, umidade e até as árvores em volta podem mudar o sabor. É como no café e no vinho, onde o terroir é parte da identidade.
Um exemplo que adoro contar é o do centro-sul do Paraná. Ali, as lavouras de feijão crescem cercadas por florestas de pinheirais, num clima mais fresco e úmido. O resultado é um feijão com sabor mais encorpado, que se destaca no prato. É algo que você sente na primeira colherada e que simplesmente não dá para copiar em outro lugar.
Agora, imagine se o consumidor pudesse descobrir tudo isso na hora da compra. Bastaria um QR Code na embalagem para contar de onde veio o feijão, qual cultivar é, como foi plantado e até mostrar fotos da lavoura. Mais que isso: já existem produtores que cultivam usando até 95% de insumos biológicos, praticamente dispensando defensivos químicos, cuidando do solo e da natureza. É o tipo de informação que faria muita gente escolher aquele pacote na hora, e pagar um pouco mais por saber que está levando para casa um produto especial.
E é aí que está a oportunidade. Em tempos de preços que muitas vezes não cobrem o custo de produção, diferenciar o feijão pela sua origem, pela cultivar e pelas práticas de cultivo pode criar um espaço premium no mercado interno. Isso já funciona em outros alimentos. No vinho e no café, as pessoas escolhem não só pelo sabor, mas também pela história que vem junto. E por que não com o feijão? Para o consumidor, é a chance de levar para casa um alimento com identidade. Para o empacotador, é a possibilidade de oferecer algo diferente. Para o produtor, é reconhecimento e remuneração mais justa pelo seu trabalho.
No fundo, o feijão é muito mais do que um grão que vai para a panela. Ele é cultura, memória e sabor. Cada cultivar, cada região, cada safra tem algo a contar. Imagine entrar no mercado e ver na gôndola: “Feijão-preto cultivar X, do Centro-Sul do Paraná, cultivado entre pinheirais, com 95% de insumos biológicos. Sabor encorpado, perfeito para feijoadas.” Ou então: “Feijão-carioca cultivar Y, do Alto Paranaíba, MG, cremoso e delicado, ideal para caldos e sopas.” Dá até vontade de cozinhar só de pensar.
O Brasil é um grande produtor e consumidor de feijão do mundo. Temos uma diversidade de sabores e histórias que nenhum outro país tem. Mas, enquanto tratarmos o feijão como tudo igual, vamos seguir desperdiçando um potencial enorme. Valorizar as cultivares, reconhecer a influência da região e contar como ele foi produzido é um caminho para fortalecer o mercado, aumentar o consumo e, principalmente, fazer justiça com quem planta. Porque, no fim das contas, cada grão carrega uma história. E está mais do que na hora de a gente ouvir, e saborear, todas elas.

*Marcelo Lüders é presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe), e atua na promoção do feijão brasileiro no mercado interno e internacional
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