A região da Chapada do Araripe, localizada entre os estados do Ceará, Pernambuco e Piauí, no Nordeste do Brasil, surpreendeu o mundo científico com uma descoberta extraordinária: um novo pterossauro, batizado de Bakiribu waridza, a partir de um fóssil proveniente da Bacia do Araripe.
O estudo, publicado na revista Scientific Reports, apresenta o primeiro pterossauro filtrador já registrado nos trópicos e o primeiro representante do grupo Ctenochasmatidae descoberto no Brasil.
O fóssil foi identificado dentro de um regurgito fossilizado, uma massa de ossos e restos alimentares expelida oralmente por um predador há cerca de 110 milhões de anos. O conjunto inclui dois indivíduos de Bakiribu e quatro peixes fossilizados.
De acordo com os pesquisadores, esse raro tipo de preservação revela uma interação direta entre predador e presa, provavelmente resultante da alimentação de um dinossauro.
“Trata-se de uma descoberta única: um pterossauro filtrador encontrado dentro do vômito de um dinossauro. Isso oferece um vislumbre direto das relações ecológicas desse antigo ecossistema”, explica a pesquisadora coordenadora do estudo, Aline Marcele Ghilardi, professora do departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (GEO/UFRN).
Homenagem e identificação do fóssil
O nome da espécie reflete a herança indígena Kariri, povo originário da Chapada do Araripe. Bakiribú significa ‘pente’ e waridzá, ‘boca’, em referência ao arranjo de centenas de dentes finos e alongados que o animal usava para capturar alimento na água, um modo de alimentação semelhante ao dos flamingos modernos.
Com mandíbulas muito longas e centenas de dentes finos e curvados, Bakiribu filtrava pequenos organismos aquáticos, como crustáceos, ou seja, sua estrutura dental representa um estágio intermediário na evolução dos pterossauros filtradores, do grupo Ctenochasmatinae.
A morfologia da espécie combina características de formas europeias e sul-americanas, ajudando a compreender como o comportamento filtrador evoluiu entre os pterossauros.
O fóssil estava guardado há décadas na coleção do Museu Câmara Cascudo (UFRN), em Natal (RN). Durante um levantamento de fósseis de peixes da Bacia do Araripe, o estudante de Biologia William Bruno de Souza Almeida notou que um dos exemplares, originalmente identificado como peixe, era diferente dos demais e procurou sua orientadora, Aline Ghilardi.
Ao observar o material, Aline reconheceu imediatamente a presença de restos de pterossauro, devido à dentição singular, típica dos Ctenochasmatinae, grupo até então não registrado na região.
Além disso, Aline, especialista em icnologia, área que estuda vestígios fósseis como pegadas, fezes e regurgitos, identificou o material como um vômito fossilizado, algo extremamente raro no registro paleontológico. Ela também percebeu a disposição incomum dos ossos, misturados a peixes fossilizados.
Importância científica

Em seguida, os estudos começaram com uma equipe multidisciplinar da UFRN, incluindo Claude Aguilar, responsável pela coleção paleontológica do Museu Câmara Cascudo, e Tito Aureliano, pesquisador associado à UFRN e à Universidade Regional do Cariri (URCA).
Nesse sentido, para auxiliar na descrição da nova espécie, os cientistas decidiram convidar os especialistas em pterossauros Rubi V. Pêgas, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), e Borja Holgado (URCA/ICP).
O trabalho também incorpora um importante viés ético e decolonial. O material foi dividido entre o Museu Câmara Cascudo (UFRN) e o Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens (MPPCN/URCA), em Santana do Cariri (CE), garantindo a preservação da peça no território de origem e evitando práticas de colonialismo científico interno.
Os pesquisadores mantiveram o espécime em estudo em Natal até a publicação do artigo e vão entregá-lo oficialmente ao MPPCN em um evento público programado para o fim deste ano.
“Além do valor científico, essa descoberta reforça o papel dos museus regionais e da ciência feita no Nordeste na produção de conhecimento de ponta”, destaca Tito Aureliano.
A descoberta de Bakiribu waridza adicionou uma nova peça ao mosaico da biodiversidade cretácea do Araripe, uma das regiões mais importantes do planeta para o estudo da vida pré-histórica.
O achado reforça que coleções antigas ainda guardam tesouros ocultos, e que o patrimônio paleontológico brasileiro continua a revelar segredos impressionantes sobre o passado da Terra.
*Com informações da Universidade Federal do Rio Grande do Norte